no quarto de uma pensão rasca, cubículo nauseabundo de outras histórias vagas, produzimos paixão sem palavra, sem gemidos. apenas a ferocidade dos corpos suados se impõe. a ternura dessa noite derramou suor, manchando os lençóis com um adeus anunciado.
da dicção de um silencioso fim - apenas os olhos falaram e, mesmo esses, apenas brilharam no escuro sem aceno - entrecruzamos somente um olhar conformado.
do afecto avassalador, quase inumano entre nós - porque somos apenas sôfregos amantes, animalescos na cópula - sobrou-me um coração fendido, impreciso. necessito urgentemente aramear o peito, protegê-lo das tuas incursões nocturnas que me desnorteiam - irracionalizam-me e abstêm-me da vida.
e a minha alma...? ai a minha alma, substância imaterial com sentimento de carne, com ossos envelhecidos e pensamentos exaustos - já quase inanimada e desacautelada, já a sucumbir suspensa pelo gargalo, prestes a ser enforcada por um cordel amarrado no teu dedo mindinho - sufoca, esperneia...obriguei-a a ausentar-se da fome de te amar.
no congénito imprevisto que é próprio do nada, como a tempestade que se inicia enraivecida e termina envergonhada, a pele silenciou-se e desarrepiou-se. tinha terminado o vértice do êxtase.
entre o quase adormecer no escuro, entre um cigarro incendiado e o olhar com um traço semi-aberto das pálpebras, ainda te vejo partir sem te ter escutado a voz ou qualquer impreciso rasgar da garganta, nem sequer um nome que te identificasse. nada. apenas a linguagem secular do corpo e o espernear do prazer indistinto, misturado com saliva do beijo, esse, o tal beijo, aturdido e desorientado a caminho da etapa seguinte. espero reencontrar-te nos movimentos de outro corpo, de outros braços.
por favor, apaga a luz quando saíres, essa claridade fere-me a recordação.