Domingo, 15 de Agosto de 2004
Mortos ... ainda valentes na morte
Desgastados ... abraço gasto, sôfrego, inteiro e final
Palavra ... inusitada, pedinte, balbuciada no arrojo do esgar final
Corpo ... desfeito, castrado, persistente no espasmo que ainda reclama vida.
Cheiro ... sangue, pólvora, nódoa, marca que me ficou
Terra ... chão, lama, areia, cheiro de chuva, era o predestinado retorno desde o início
Suor ... gotícula, bravura esmiuçada, sinal, resistência abalroada
Sentido ... fleuma na encruzilhada, descaminho, limite e fronteira
Ferida ... borbulha de restos do aço, pulsa e expurga o vermelho, cicatriz que jamais será
Lembrança ...viagem última da saudade no corpo, derrapagem, curva final do adeus
Olhos ... e esse teu olhar de água salgada, lacrimejando mar...e eu desaguando em ti
E essa vida caiada de sonhos, tornou-se opaca de tanto branco. Já não viajo dentro dela.
Sábado, 14 de Agosto de 2004
Prémio Nobel da Literatura em 1980
O romancista e poeta polaco Czeslaw Milosz, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura em 1980, morreu hoje aos 93 anos, informou a sua família à agência noticiosa polaca PAP.
O escritor morreu esta manhã na sua casa em Cracóvia acompanhado pelos familiares mais próximos, entre os quais se encontravam o seu filho Antoni e a nora Joanna. As causas da morte do poeta não foram reveladas pela família.
Entre as suas obras mais conhecidas encontra-se o romance político "A Tomada do Poder", sobre as tentações e os perigos do totalitarismo, um livro que foi editado em Portugal em 2003 pela Dom Quixote.
"Alguns gostam de Poesia", uma antologia de poesia polaca contemporânea que reúne dois escritores polacos galardoados com o Nobel da Literatura, Wislava Szymborska (1996) e Czeslaw Milosz, foi outras das obras do poeta apresentadas no mercado português numa edição da Cavalo de Ferro.
A obra de Milosz, um dos quatro autores do seu país vencedores do Nobel da Literatura até ao momento, foi sempre distinguida pela abordagem intelectual e emotiva dos piores momentos históricos do século XX.
Considerado um dos nomes mais importantes da literatura da Polónia, Czeslaw Milosz também era conhecido pelas suas declarações polémicas.
Em 1998, ano em que José Saramago foi distinguido com o Nobel da Literatura, o poeta foi um dos poucos antigos galardoados que assumiu não gostar da obra do escritor português. "É uma escrita da moda, cheia de humor, mas esse humor é plano. Confesso que não o suporto", declarou na altura à PAP.
Czeslaw Milosz nasceu onde hoje é a Lituânia, em 1911, no seio de uma família de origem nobre, tendo seguido uma formação académica ligada ao Direito. Em 1951, iniciou um período de exílio em França, onde foi adido cultural na embaixada polaca em Paris. Assumiu a mesma função em Washington quando, em 1958, emigra para os Estados Unidos, onde anos mais tarde ingressa na Universidade de Berkeley, na Califórnia, para leccionar Línguas e Literaturas Eslavas.
O escritor permaneceu em território norte-americano até 1989, ano em que regressou à Polónia.
in "Público"
Deixe-nos não falar a filosofia, deixe-os cair, Jeanne.
Assim muitas palavras, assim muito papel, que pode o estar.
Eu disse-lhe a verdade sobre meu distanciamento.
Eu parei preocupar-se sobre minha vida distorcida.
Era não melhor e não mais mau do que as tragédias humanas usuais.
Por sobre trinta anos nós temos empreendido nossa disputa
Como nós agora, no consolo sob os céus dos trópicos.
Nós fujimos de uma tempestade, em um instante o sol brilhante outra vez,
E eu cresço combalido, confuso pela essência esmeralda do me ser.
Nós submergimos na espuma na linha do surf,
Nós nadamos distante, a onde o horizonte é um sopro do arbusto da banana,
Com os moinhos de vento pequenos das palmas.
E eu estou sob o a acusação: Que eu não me sou até parte de mim,
Que eu não exijo bastantes de mim mesmo,
Porque eu poderia ter aprendido dos jaspers de Karl,
Que meu descernimento para as opiniões desta idade cresce frouxo.
Eu rolo em uma onda e olho as nuvens brancas.
Você é direito, Jeanne, eu não sei importar-me com a salvação da minha alma.
Alguns são chamados, outros controlam assim como podem.
Eu aceito-a, o que considero me é justo.
Eu não finjo à dignidade de uma idade velha sábia.
Não translado as palavras, eu escolhi meu repouso em o que é agora,
Nas coisas deste mundo, que existem e, para essa razão, deleitam-nos:
A nudez das mulheres na praia, no balanço caminhante de seus peitos,
Hibiscus, alamanda, um lírio vermelho, devoro
Com meus olhos, bordos, lingüeta, o suco do guava, o suco da ameixa seca de Cythère do la ,
Rum com gelo e syrup, lianas-lianas-orquídias
Em uma floresta de chuva, onde as árvores estejam nos estiletos de suas raizes.
Morte, você diz, minha e sua, mais perto e mais perto,
Nós sofremos e esta terra pobre não era bastante.
A terra roxo-preta dos jardins vegetais
Esteja aqui, olhado ou não.
O mar, como hoje, respirará de suas profundidades.
Crescendo pequeno, eu desapareço no imenso, mais e mais livre.
Guadalupe
Domingo, 8 de Agosto de 2004
Cai a noite e,
de novo no universo do meu quarto me refugio.
Sopra uma brisa leve
Beijando-me as entranhas da alma sem pressa.
Afogo-me num mar de lençóis
procurando mil respostas num travesseiro.
Reviro e revolto-me. Basta!
Meu dom é minha sina.
Sofregamente procuro uma folha ... um lápis.
Rabisco os meus sentimentos
carbonizados como o cigarro que expurgo
e sofro tão só nos versos que escrevo.
Procuro razões para a vida, as discrepâncias, as convergências.
Volta e meia sopro a cinza que cai na folha
Como se tentasse apagar os pensamentos das minhas insónias
E olho o escuro aonde ela se perde como o abismo do meu desassossego.
Bocejo. Deito-me e fecho os olhos. Mas novas ideias regurgitam em mim.
De novo o estirador se acende perdurando madrugada fora.
As ideias são confusas e tento ordená-las ao longo das linhas.
Repito o que escrevo, procurando a voz dos sentidos ... mas algo falta.
Revejo poemas antigos como retratos do passado
na esperança de encontrar o ardente engenho de outros tempos.
Sofro. Grito. Mas nada. Lagrimo na folha molhando-a de impotência.
Maldita inspiração que se perde na claridade.
Desisto! Hoje só consigo sentir no escuro
sem saber como o transcrever com luz.
Quem me dera saber escrever no escuro
aquilo que me está no obscuro da alma.
Coleccionador de olhos
-trago os bolsos cheios
de imagens esmagadas,
lágrimas incompletas,
desdéns já moles
e olhos verdes, azuis, castanhos, negros, berlindes,
bugalhos de fogueiras
-que oxalá não me incendeiem as algibeiras!
Faltam-me os teus
Mas quando ia apanhá-los,
voaram-te das órbitas
com duas asinhas pretas
a saltarem de mesa em mesa ...
Ah! Se eu tivesse trazido a minha rede de caçar
borboletas!
José Gomes Ferreira
Partiste e, ainda não sei porquê.
Cheguei ao teu quarto e estava vazio,
estava parco de coisas tuas.
Tornou-se escuro, menos colorido ... tornou-se oco.
Não deixaste uma carta, um bilhete ... apenas as tuas bonecas.
Nem ao menos um sinal. Nada, apenas nada.
Até as tuas memórias dentro de mim levaste,
embrulhadas nas tuas coisas, metidas numa mala à pressa.
Corri a casa. Gritei por ti.
Mas recebi apenas o eco do vazio de ti.
Tentei encontrar algo teu caído mas,
só encontrei no soalho as marcas de um arrastar de malas.
Esperei um telefonema
mas a espera se prolongou madrugada fora.
Todos te vêm
só eu não te encontro.
Procuro-te em desespero
com medo que te percas, criança
mas sempre que chego
tu sempre partiste.
A exausta procura me faz embalar
no mundo do sono num sonho te encontro
de tudo falamos e tudo percebo
só ainda não sei porquê que partiste.
Para a Tânia ... o meu eterno beijo da distância nostálgica
Tentei recobrar as forças nos braços teus
tentei olhar o mundo com os olhos teus
ilustrando telas com as mãos tuas
revelando o sentimento no meu com o coração teu
Em mim
as madrugadas são simples berlindes em tuas algibeiras
resvalando num sonho, azul de olhos teus
por vezes prateadas de beijos meus em ti em simples noites de luar
Que fazer se apenas são as peças tuas
que num palco meu
queria representar-te minha?
Resta-me o adeus enigmático e sem sentido como simples palavras tuas já rasuradas pelo esquecimento meu.
Sábado, 7 de Agosto de 2004
A 6 de Agosto de 1945, às 8h 15m, foi lançado pelo bombardeiro americano Enola Gay a mais mortífera arma de destrição em massa da história da humanidade, revelando a sua natureza vil, brutal e macabra. Morreram directamente, pelo efeito da infame bomba, cerca de 80.000 SERES HUMANOS. Hoje, ainda existem resquícios deste acto criminoso, que passou, até agora, impune. Continuamos a assistir a prepotência, arrogância e selvageria dos E.U.A., que continuam a encarar o mundo como um autêntico Far West, impondo-nos a sua política belicista, auto-proclamando-se polícias do mundo.
Devemos questionarmo-nos: o que é que uns e outros, aprendemos com a ruína humana? Será que no âmago de alguns existe glorificação com o sofrimento de muitos? É essa a noção de mundo que aspiramos?
Pensemos, no que cada um de nós poderá fazer para que o mundo, nesse momento estranho, seja um local melhor para que tenhamos a coragem de colocar uma criança.
O tempo passa, a dor fica.
Cicatrizes do tempo baixio,
castração evolutiva,
mistério sonâmbulo,
ouvidos moucos no meio do silêncio ensurdecedor.
Nessa hora, foi-se até a morte. Arrepiou-se.
Mas quem poderá pedir perdão pela nossa brutalidade, pela nossa passividade de assistirmos a inumanidade que graça entre nós. Quem ainda somos para nos podermos julgar a nós? Nós, os tais humanos?!
Para Hiroshima: a convulsão da dor, ontem ... uma flor, hoje. Haverá perdão amanhã?