Terça-feira, 30 de Novembro de 2004
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chegou a hora...sem adeus de saudade mas também sem ressentimento.
é apenas o momento da viajem no cruzar do espaço sideral, velocidade estonteante, mergulho num buraco negro preenchido de luz incompreensível para carcereiros.
durante uma perpétua equação terrena, suportou tormentos pessoais, reflexos próprios do desmaio, eterno alvo, às riscas brancas e negras, azul, laranja, verde, civil.
todas as memórias, guardadas involuntariamente na algibeira da retina da carne marcada.
refugiou-se no aconchego da abstracidade, própria da criatividade dos livres.
mesmo nesse cubículo solitário, a imaginação venceu a opulência das grades e fez com que se mantivesse são e homem.
ele, manufacturado em cordão umbilical, produto de um mundo intolerável e intolerante, mundo que já não conseguia suportar de tão mundo que se tornou, excessivamente mundo, ou apenas, talvez, cada vez mais mundo.
acordou, carcaça (in)desperta, (in)cambaleante. o corpo em erupção, suspirava e cuspia a última lava de sangue, mas que importa se o resto do caminho estafeta, é agora o escape relâmpago da alma. está agora liberto, livre, viajando sem corpo mas também sem correntes nem prisões. o estranho...é que nem sequer saudade teve deste mundo.
À Amnistia Internacional e todas outras entidades similares, pela persistência na protecção contra a violação dos direitos humanos
nos lábios do beijo, senti a amargura que se ajeitava no peito.
repassei a língua nos cantos da boca, degustei-o beijo no mesmo beijo.
nesses momentos, fica sempre um impreciso sabor da dúvida na boca molhada,
silencioso, abrupto despertar com susto, desconcertante mas simples .
o complexo amor de quem ama, está sempre no dogma entre a saliva de hoje no beijo de ontem.
o momento daquele beijo sucumbido de quem parte, senti-o no encostar dos teus lábios efémeros, aquele ósculo com gosto mas sem paixão.
(queria tentar esquecer...mas essa mania de emalar tudo, até mesmo os sentimentos!)
só nós tínhamos o âmago trocado do um no outro.
o passado foi só nosso, gritado! o futuro para nós era (in)partilhável.
no afasto dos teus passos, em que o bater de calcanhar da sola seca, se tornava miudinho com a distância, sinto-me dissecar
sempre soube que não era um "até já".
psiu
não
não precisas dizer
já vi o adeus do teu virar de costas no reflexo do espelho.
tu sabes
eu sempre percebi o tudo de ti mesmo antes de ti
saudade com reminiscências em outras vidas em que nos entregamos e conhecemos,
e as rugas do rosto
rasgos sinuosos do repisar nos caminhos dos anos ,
soma dos passados, em que não nos demos conta quando o presente virou passado,
estas contorceram-se em modelos disformes, impessoais - não os sabia assim possíveis.
os meus olhos marejados, expurgam o muito que ainda me restava amar-te, o pouco que havia para dizer
apenas sussurrar-te - há quem diga que chorei...
lembro-me que a noite que te levou, tinha uma brisa suave com fagulhas incandescentes
era uma noite com tanta vida e que te queria tanto como eu
no andar de cima, embaciei o olhar da janela com o nevoeiro que te abraçou
que raiva da noite que te conquistou, tu que eras a conquistadora
raios!
sei que o que nos ficará, serão sempre sensações, estranhos raciocínios, incrédulos da sua imoralidade, impúdicos (sei que só nós tínhamos a coragem de os partilhar),
intimidade que o tempo nos conferiu, entrega massiva do corpo da alma,
mas de que valem tantas palavras partilhadas se esquecemos de prolongar o fim?
recorda-me ...será que alguma vez nos prometemos amor eterno? e nós que nos pensávamos siameses imortais pelo amor que nos tínhamos
sei apenas que me agarro ao presente com uma paixão do passado. o futuro, para mim, é presunção de evasão.
sei apenas, que ainda hoje, sei sentir o cheiro dos teus passos, aqueles que sempre me ressoaram em insónias e sonhos,
aquele marchar de conquistadora impiedosa na sua sedução. ah, quantas vezes corri para a porta. durante algum tempo, acreditei que apenas tinhas perdido as chaves de casa.
ensaiei vezes sem conta, o algures antes da bifurcação numa calçada,
imaginava que haveria o roçar do nosso pestanejar entrecruzado,
mesmo que apenas fosse um silencioso marulhar com recordação oculta, (in)promenorizada, em que o tarde é evidente,
talvez mesmo inexistente , em que já nos damos a braços inéditos, alheios
mas mesmo assim existiríamos no mergulho do passado por baixo de uma qualquer torrente.
e eu que congeminava um futuro, sem saber que num já, estavas em fuga desses braços alheios no meu encalço
ontem no banho, distraidamente descobri no corpo as tuas impressões digitais, a crosta de gotículas daquele orvalho,
aquele que nos molhou num ontem com cheiro de terra, como a descrença dos teus passos na lonjura de mim.
hoje, arrebatei um suspiro perante os cacos de ti.
sei agora, que a minha brasa se dispersou na mesma brisa que te arrastou os cabelos negros, desarrumados, inanimados...droga, eles também eram meus!!!
vi-te
mesmo que agora um puzzle com peças soltas, ainda tinhas encanto
a tua boca com dentes juntinhos como o teu abraço apertado, embora já sem brilho, ainda sorria.
engraçado, agora apenas consigo recordar o negro entrançado dos teus cabelos, os teus dentes, pequenos gestos, pormenores
o quanto que eu dava para ver os teus cabelos espalhados ao vento e não nesse chão ensanguentado, mesmo que nos braços dessa noite que não te amparou
talvez tenha descoberto, agora, o pudor de nós, o abandono que me racha o arrependimento ,
recusa da perda, necessidade difusa de sofrer aos poucos...não sei (acho que deveria ter lutado mais por nós)
um dia desses o sussurro de um olhar ofuscou-me, disseram-me que o teu olhar em desespero me procurava, pousou num olhar qualquer e lá ficou.
apesar de me negar pensar-te
no fundo, bem no fundo daquele marulhar em que existiríamos no mergulho do passado por baixo de uma qualquer torrente,
ainda procuro os teus olhos da cor azeda escorreita do limão
= Epitáfio =
"em tardes de Inverno, quando o céu escurece,
lembro-me do teu humor cansado que só eu sabia recolher com abraço.
davamos um nó entre nós. apertado. só nosso.
parecia que os nossos corpos, foram feitos com precisão para o abraço um do outro.
no verão, lembro-me das tardes do teu desabrochar em sorriso,
alma de flor borrando de pólen o ar que espirra.
por isso, a recordação do teu olhar é apenas um consolo. falta-me o teu corpo na alma. sem ti eu sou a imprecisa tristeza disso"
Ruy de Nilo
Domingo, 21 de Novembro de 2004
Rabisco tosco de um sol colorido
um vagão todo azul e mil rostos-criança
perdido na margem de uma sebenta esquecida
algures na carteira de uma escola primária.
Os grandes amores que poderiam ter sido,
são aqueles que lembramos
de não esquecer de os esquecer.
na vida há silêncios que nos tiram a vida. somos tão frágeis perante ela
mas mesmo assim apegamo-nos com paixão, com força, com raiva.
mas é sempre quando faltam as palavras que se sente escorregar a lágrima inanimada,
quase alagando lábios cor de silencio.
desfalecemos...desfalecemos com a insegurança de um talvez
...desfalecemos...aos poucos desfalecemos...desfalecemos...desfaleciiiiiiii!...
o que é que nos morreu?
que pedaço se rebelou?
tento manter-me abstraído mas doi tanto!...
eu, com passos ainda inseguros, aprendi a dizer saudade.
sinto tanto a ausência da tua palavra!...
Sábado, 20 de Novembro de 2004
I
habituei-me a ter os olhos molhados e injectados com os teus fluidos
que me vazam por entre os dedos, rasgam-me a carne e alagam-me a alma.
num momento queria adorinhar-te nos olhos, esvoaçar nos teus sonhos, mergulhar no teu abraço
mas apenas tatuaste-me com paixão,
muito antes daquele adeus que eu não sabia existir.
nem tu o soubeste pressagiar, tu que sempre sabias o tudo do rumo
nesse último voo, esgotaste o coração numa ruela engarrafada da imaginação.
perdi-te no comboio da manhã, numa estação já sem Inverno. talvez já não voe mais para o sul
esse sul, agora tão ausente de ti e já sem ternura
sabes amor, sinto tanto frio esta noite
alguém me disse que a minha pele experimenta a falta da tua e arrepia-se de tanta inexistência.
se calhar é porque já não quero mais o voo,
até porque também já não sei em que voo te abraçar.
além disso, o sul está tão triste sem ti
sabes amor, agora passo horas a tentar encontrar-te no vazio do céu,
tentar ver esvoaçares-me um aceno, mesmo que passageiro
mas este maldito sol que me ofusca.
ah, como me faz falta o sul contigo.
II
a minha poesia não tem cor, nem credos, nem raças. é apátrida e apartidária.
escrevo-a para que apenas a sintam, para que a possam colher no ar em que esvoaça.
nesse instante acreditem lá fora nada importa quando cá dentro tudo é poesia,
linguagem do cheiro com suor de gente, melodia do corpo no arranho do peito,
concertina de sabores da língua no beijo,
a cor da terra inventada na retina do olhar, enfim,
aquele momento em que o alfabeto se entrincheira na folha,
as palavras guerreiam o verso na conquista do verbo
é aí, no transe do prazer que eu sei, que eu sinto:
em cada linha do lençol em que escrevo nas paredes deste quarto,
existe sempre mais um, alguém que procura a paz na candura de uma folha branca.
por isso vai, voa minha pequena pomba de papel,
vai conhecer o mundo e diz que a paz ainda existe e o espera na esquina do tempo que lhe virá.
foi com esperança que te fiz nas folhas daquela minha sebenta poeirenta,
aquela do meu baú, aquela em que passaste a ponta de dois dedos,
sabes que aqueles dois cortes transversais de poeira, foi tudo o que me sobrou?
lembras-te do grito com choro?
III
somos amantes fortuitos. desnudamos com pressa os orifícios do êxtase no caminho do prazer.
quero descobrir os atalhos, a sinuosidade do teu corpo e morrer da sede do teu seio.
sugo, salivo e degusto, na procura do sabor materno.
quero renascer, não já na dor do parto, mas no prazer da vida (por favor, preciso tanto disso agora
!)
quero aspirar-te, respirar-te ao mesmo tempo que inspiro e te expiro ofegante.
estudar-nos? eu sei que somos um caso único de volúpia e tu também o sabes. mas agora não, outras prioridades se impõem. talvez depois. depois daquele momento da carnificina do corpo dentro de corpo, aí sim, na lentidão felina a ronronar um afago, na hora do cigarro e do sono.
mas agora não. até porque sou incapaz de reflectir, de me encontrar e situar racionalmente.
estou num instante urgente, em que permanentemente se interpõem, em quase tudo,
a tua língua molhada, os teus lábios sem beijo apenas ânsia,
os teus dentes suaves mordiscando as orelhas erógenas, os mamilos do delírio
agarro com a força dos punhos, o momento dos corpos retorcidos e entrelaçados na concha da alcova,
encaixados na eminente erupção do coito furtivo, sem pudor somos um no outro.
na confrangedora precursão das mãos inquietas, no abraço de nos apossarmos,
em que ao mesmo tempo reformulo uma carícia jorrada de um dedo intemporal.
aquele foi um roçar de arrepio que escorreu lentamente, aquece-me ao som do crepitar de uma fogueira,
onde crepita o meu e o teu querer-nos.
entrar?...ainda não. não me achei em mim sequer.
continuo preso ao que me queria ser em ti,
de nos damos e partilhamos na melopeia de todos os sentidos.
nesse momento, descobriremos que tudo é só conjugação
das palavras com o verbo dos sentimentos, trauteados com a fala do corpo.
mas, quer queiras ou não, as palavras aproximam-nos. é a nossa fraqueza humana.
mais vale uma paixão arrebatadora do que um amor esfriado,
embora, às vezes, as palavras se recolham, se escondam.
prometo que te convido para sair, renderei aos teus pés uma orquídea,
e prometo encontrarmo-nos nos nossos sonhos, aqueles em que nos reconhecemos
na nossa forma vulcânica de nos amarmos, abrupta e descontroladamente.
também pode ser num sonho alheio, de qualquer um. apenas quero despertar-te no crepúsculo.
tu és o sonho que esta vida me destinou realizar.
então, nesta madrugada podemos estudar o nosso caso de volúpia?
"Yo soy un coyote, en el cielo te miro
mío solo en la voz es por La Luna.
Ruy de Nilo