Domingo, 30 de Janeiro de 2005
Dá-me o prazer de um nada. Ao menos por hoje
Quero apenas o nada, vazio de um qualquer nada
Hoje apenas quero sentar-me num café e ler a folha de jornal rabiscada
Tinturada e triturada nas manchas que teimam em ser nódoa na minha camiseta de espasmos com rasgos de tempo, amarfanhada de sonhos
Mas não me deixes inexistir, ainda preciso sucumbir
Ausentar-me do cansaço de me ser, apenas por momentos
e nesse nada que prolifera, que se alastra e contamina o querer
Infectou-me o abrupto vislumbrar do prosseguir vazio
Que caminhos me esperam no atalho?
que dirás num beijo seco e breve, de olhar vago sitiado na ausência?
Tenho o peito perpétuo afastado do afecto. Desconhecemo-nos, embora nos soubéssemos.
Balanço pensamentos com as tranças do mundo ao vento
Quantas ondas foram espuma para amadurecerem em mar?
Quantas foram as conchas naufragadas para humedecer as tuas pegadas
Há quem diga que é repentino o reflexo da retina na órbita
Há quem diga que os sonhos têm madrugadas,
mas nós sabemos, eu e tu, nós que embalamos nos nossos braços a aurora
sabemos que bebemos estrelas em cristal
(é o que apenas conheço para perpetuar a minha ausência ébria)
sabemos que as madrugadas sonham em complicadas equações de sentimentos
somam paixão com carícias e subtraem-nas às promessas
Hoje arrisquei-me, ganhei coragem
Sai a rua apenas em corpo sem os adereços da alma e do pensamento
Sinto-me pleno de irraciocício, inconsciente da consciência de me saber consciente
Liberta-me. Hoje quero irreconhecer o arrepio do frio na alma
Deixa-me. Ao menos por hoje deixa-me. Estou empanturrado de mundo.
O estendal está vazio
apenas repingam as molas de um sentimento longínquo
Divago sem que me possa saber, adulteras-me sem que saibas querer-te (afinal, inexisto)
Por favor, tira-me o sabor do entendimento. Dá-me apenas o orgasmo do instinto
Sexta-feira, 28 de Janeiro de 2005
Quarta-feira, 26 de Janeiro de 2005
por entre o silêncio da noite
ouvi o murmúrio da tua voz.
olhei. Calei.
perversamente te amei.
mirei as sombras esculpidas
na ssilhueta do teu corpo,
expiravas a tua essência nicotínica.
quieto fiquei. mesmo o toque foi quieto.
rasguei o retrato da noite,
rompi o seu véu de luar,
espreitei o que estava para lá do papel de parede do mundo
uma estrela apagou. desmaiei. sei que o céu ficou mais pobre.
fecho os olhos, escorre-me dor.
por mais que te evite e me impeça de te amar,
o inverno chegou...gelou-te o olhar.
uma flor (no seu desabrochar), morre suave em tua mão
no horizonte da mesinha de cabeceira, à deriva do chão aquoso do quarto
ainda vagava uma esperança
mas...agora já nada importa
tudo agora, apenas morre desejo e nasce ardor
Sábado, 8 de Janeiro de 2005
e ainda era eu
o verbo, a palavra, a frase alfabeta, a eucaristia do alfabeto com o pensamento
e ainda era eu na repetição do gesto, no raspar da unha na pele do sono (vícios de criança)
e ainda era nos aglomerados de eu(s) sem tu, redescoberta de um mim quando havia a ânsia de um tu
e ainda era eu hoje, no sexo fugaz em vão da escada - simples tentação do risco para lá do racional
e ainda era eu na inocência da ignorância de toda uma dor que o mundo me reserva. fictício acoitar.
e ainda era eu no branco da folha em que rasurei, reescrevi, rasurei-me e reescrevi-te
e ainda era eu quando já não me suportei e transbordei-me. implodi.
e ainda era eu, eternamente com rascunhos de reticências insusceptíveis de me revelarem
e ainda era eu quando abdiquei-me para me ser-te. que falta me faz um eu se ainda fosse eu.
que breve mania
essa eterna mania de achar que é breve essa mania de escrever.
Como tudo na vida de um qualquer tempo, também há um tempo do tempo.
A melhor forma de levar a saudade sem a matar
é levá-la aos poucos, saboreá-la em pedaços-chocolate,
evitar deixar um até sempre e ausentarmo-nos sem aceno.
A melhor forma de dizer adeus é sem adeus.
Mas quem sabe não seja essa eterna mania de achar que é breve essa mania de escrever.
Fica um ... de gratidão à todos que foram força de impusão das minhas palavras, críticos edificadores da minha aprendizagem, fermento da minha maturidade.
As palavras são virtuais, a ausência é virtual, o nada é virtual, o sempre é virtual...mas então porque carga d'água levo saudade de gente virtual? Será porque me revejo no hábito de calar a voz até a exaustão da escrita?
Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2005
height=100 alt=f539042pp.jpg src="http://orostodachuva.blogs.sapo.pt/arquivo/f539042pp.jpg" width=84 border=0> tenho os pensamentos encharcados da saliva de palavras vãs. preciso enxugar-me.
os ouvidos transbordaram e quase afoguei-me. ainda pensei em ficar mas cansei-me. estou exausto de ser. preciso aprender a inexistir, preciso limitar-me a pressentir existir.
saí a rua apenas em carne e osso, esqueci-me da gabardina de pele. nada que me importe também desde que o cheiro daquela pele lhe ficou...sempre a odiei . é verdade que sempre soube que já era Outono, mas que fazer se ainda trago o verão na algibeira?
marcho distraidamente em caminhos cutâneos.
uns são calejados, outros são degradantemente sebosos
(também os há bordados de seda)
rodopio destinos emaranhados na ponta dos dedos do cabelo, agora já enregelados, quase amputados. sei que repugna, mas é o que preciso para inexistir, para ausentar-me de sentir, poder ser apenas um apenas do algo.
outras vezes, no final da tarde de um bocejo bem perto da linha do horizonte da língua, no céu da boca ainda consigo ver aquele fiozinho de cicatriz do outro lado da face
(se eu tentasse , certamente que no contorno da quentura da lágrima ainda encontraria uma história que contar, mas falta-me a ausência da urgência em nem sequer querer reinventar-me).
vago sem passos. é apenas pura e simples vontade de exercitar o raciocínio fingindo um andar, umas vezes atravessados por becos cicatrizados, outras vezes por murais tatuados de graffitis.
lá fora, à porta dos olhos, sob o tejadilho das pálpebras, está uma chuva de vozes fingindo molhar. tenho medo.
sei que é a adrenalina antes do salto, mas essa velha córnea branca com raios de sangue, entardecendo a sonolência pincelada na íris grávida de azul que retrai todo o corpo da alma, enerva-me.
apetecia-me calar-lhe o beijo, fechar-lhe a porta e apagar o mundo.
Terça-feira, 4 de Janeiro de 2005
"Deus perdoa sempre, o homem perdoa às vezes. A natureza nunca perdoa".
Em memória de todas as vidas tragicamente perdidas na costa asiática, uma página em branco deste blog como forma de manifestar o meu mais profundo pesar.
Ruy de Nilo