Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2005

A dor dos que ficam

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Introdução

Sei que para muitos navegadores e membros da blogosfera, pouca ou nenhuma paciência têm para "desfolhar" todo um texto ou blog, à menos que sejam curtos e com algum interesse (verdadeiramente vosdigo que não é o meu caso).
Neste momento, e, porque talvez atravesse um período de reflexão, propus-me enveredar e arriscar-me no campo da prosa. A prosa sb forma de rábula, rebuscando a cultura oral das minhas origens e de tudo aquilo que sem me dar conta, independentemente do em mim se misturou, contribuiu para o que hoje sou. Como tal, convido-vos a descobrirem um mundo, uma cultura rica (conhecida para alguns, desconhecida de outros), cheia de crença e estórias com fantasia, com mágia. São estórias ficcionadas mas com verdades nas frestas de nesgas de luz, verdades que nos doeram e doem, mas que para se alcance um futuro em e para Angola, o perdão é a melhor opção, embora admita que será sempre inconcebível o esquecimento da dor. Mas avancemos, o caminho é feito de recordações, mas também o horizonte ainda está longe...é preciso atingi-lo. Dá-me a mão e caminha comigo, tu que me roubaste amor e me deste dor. Sim tu! Não te espantes, também te quero nesse caminho rumo a um futuro melhor.

Do conto:

Do tempo…esse já não me recordo. Perdi-lhe o resto qual personagem deste conto. Sei apenas o enredo. O enredo que ouvi na deambulação de voz em boca e da boca em voz do povo, e que agora vos mujimbo.
Ter-se-á passado numa sanzala longínqua de um kimbo distante que se dizia existir por trás do sol, onde seus raios acudiam já como sobejo da luz, se assemelhando àquele momento antes do seu despenho no mar do horizonte. Aí, apenas o vento chegava, mas mesmo esse, chegava já ofegante da longa jornada de chegar na fundura de lugar tão distante. Aproximava-se sorrateiro se anunciando como assobio miudinho no desraiar daquele sol que parecia de brincar, como um vento que quase se esqueceu de aspirar a atmosfera do ar que só ele nele próprio. Esse ar, que aí nesse lugar, quase se divorciou da inspiração necessária aos viventes pulmões, se auto rarefez esmorecido.
Quando a lua chegava, no que parecia ser noite, já era adulta e se assenhorava das vielas da sanzala acanhando o céu desestrelado que agoniava, e toda quase luz se ausentava resoluta.
O tempo…esse quase parou numa hora igual e irremediavelmente espreguiçolenta, e se minuto houvesse, seria prolongamento do infinito, a hora seria carne na unha da eternidade, e mesmo assim passando todo tempo do tempo, apenas se percorreria um milímetro da fracção do segundo. Num parêntesis que me atrevo a fazer à narração dos contadores do povo, acrescento mesmo: se relógio ali houvesse, se cansaria de marcar descompasso no passo morolento dos ponteiros, tal a duração intemporal, mesmo que só numa lasca do instante.

Desse lado desconforme, sem conta calculável nem equação resolúvel, desconcebido por régua e esquadro, onde o sol não tem nascente, apenas um pachorrento quase poente subornando as leis da física, se desconhecia idades, o presente se conhecia no passado, o futuro se atrasava no passado, o ano desconseguia de inventar estações. Até o chuvisco que aspirava ser chuva, ignorava a sua caída, se de noite, se de dia, se no cacimbo, se no verão…Aí, a natureza mostrava evidentes hesitações e incompetências. Os aturdidos vendavais e tempestades, se confundiam e fundiam numa barafunda temporizada que desnorteava qualquer bússola, lhe inventando novos pontos cardeais.
Mas na aparente anarquia, os autóctones se desincomodavam com a indolência do tempo e o desconjunto do espaço.




De um outro lado desse quase inexistempo, Muxima vivia a encruzilhada monótona do período de um outro tempo, a asfixidez do ciclo do ano, dos meses, da hora. Mantinha-se imóvel contando os grãos da dor da guerra. Recordava o dia em que lhe cangaram, bisava e rebisava essa recordação.
Foi depois da peleja rija no campo do S. Domingos. Muxima tinha sido a estrela, marcara três golos. Por três vezes, a bola de meia enchida com trapos saída dos pés de S. Muxima (como lhe alcunharam), entrou na baliza adversária. Havia motivos de alegria, pois claro! Por isso, ele e o Castruma vinham a ressaborear a vitória em alta galhofa, simulando os remates, os cabeceamentos, os dribles, com Castruma e Muxima ainda a recordarem a alegria dos golos: “goooolo” - gritavam.
Castruma e Muxima, eram cambas já desde tenra idade, desde quando estudavam no colégio de padres de S. Domingos, mesmo ao lado da Igreja com o mesmo nome. Castruma, alcunha que lhe deram, embora já nascido em Luanda, era filho de ambaquistas de clara e gema. A alcunha lhe veio, quando ajudava o pai na lavra da família que dava para as traseiras do campo pelado, o tal onde decorriam os tais jogos memoráveis. Uma vez, o pai labutando na horta, pedindo o seu auxílio, desbocadamente gritava: “Castrouééééé, traz ma’s estruma!” – ele queria dizer estrume. Gigito, o mais trocista do grupo, não se fez rogado e apelidou-o de Castro de Castruma, ao que todos lhe seguiram. Assim, para os amigos deixou de ser o Castro e passou a ser o Castruma, ou ainda para os que o queriam irritar, o Construme.

Na distracção das gargalhadas em que vinham Muxima e Castruma, nem perceberam os dois militares que, dissimulados na saída do beco que encurtava o caminho para o seminário, faziam rusga. De repente, nas costas, ouviram o grito militarizado:
- Hé, psiu! Camaradas para aí! – interceptaram-lhes os dois militares dos S.T. (serviço de tropas). Se achegaram com as mãos pousadas no cano das armas:
- O bilhete de identidade, camaradas? – meio temeroso, Muxima tirou a sua carteira de documentos que estava entre os calções e a barriga e, com o som de rasgo do fecho de velcro, libertou o documento pedido.
- E o recenseamento militar? – questionou o militar
- Está aqui camarada chefe – respondeu humildemente Muxima para evitar qualquer pretexto de confusão.

Quanto a Castruma, que tinha acabado de entregar o bilhete de identidade ao militar, esse olhou, re-olhou…de repente, como uma erupção na aparente acalmia, ouviu-se um berro que parecia mais é de formatura militar:
- Xééé, 1975?!!! Vucê tás brincar ó quê? Vucês anda tudo a gozar, a cortar idade p’ra num ir na cuemba né? Esse documento é falso! – sentenciou o militar - Camaradas senta só aí. Espera o camião.

Castruma, com o auxílio de Muxima, ainda tentaram gaguejar uma explicação. Muxima o mais velho se adiantou:
- Mas camaradas, tenho todos os documentos. Quanto ao meu avilo, eu posso mesmo ir buscar o vigário que vai confirmar da idade dele. Ele, até lhe baptizaram mesmo aqui no S. Domingos. Me dão só cinco minutos - Mas assim que Muxima se preparava para encetar a sua missão, o militar que lhe estava mais próximo pôs bala na câmara da Kalashnikov…
- O camarada vai aonde? Quem lhe falou pode ir m’bora?
- Mas camarada chefe, eu num tenho tudo em ordem? – a intenção de Muxima era arrancar e buscar auxílio para o amigo.
- Vucê tás a dizer tens tudo em ordem? Quem te falou, ham?
- Vucê tem tudo em ordem se eu quero; se eu te rasgar o adiamento e o recenseamento tu num tens nada em ordem. Por isso cala a boca só e senta só aí.

Castruma, já quase no choro, ainda insistiu corrigir o equívoco:
- Mas camarada, quanto ao bilhete, pode mesmo me seguir em casa. Juro, vão lhe confirmar minha idade. Mas no recenseamento…como é que eu posso chegar lá se num tenho idade de tropa? Só tenho quinze anos.

Mesmo com aquele seu ar de evidente criança, Castruma foi encostado a um lado, e com um empurrão no peito auxiliado de uma rasteira, o soldado fê-lo sentar-se no chão de terra vermelha. Depois de persuadido, aí Castruma desistiu, deixando-se à sorte que lhe viria.
Entretanto, Muxima ainda falava de injustiça, mas o soldado desconhecia tal vocábulo ou sequer a noção aproximada do mesmo, e mostrando ares de zeloso cumpridor de ordens e ávido de mostrar serviço – caso contrário, se calhar, teria o mesmo destino dos meninos-soldados de que era verdugo: a linha da frente - , agora deambulava raiva e indiferença nos passos da arrogância (como era possível tanta contrariedade de sentimentos). Parecia que quanto maiores as súplicas, maior a indiferença que alimentava o ego militarizado, fazendo-o gozar um momento reles de poder e, rispidamente, já brandindo a coronha impaciente para Muxima, o único que ainda protestava em pé, apelava…:
- Podem confirmar ali no seminário. Vivo ali. Estou falar verdade. Vivo ali no seminário e o sô vigário pode me confirmar – o seminário distava cerca de cem metros.
- Oh camarada, senta só aí e cala então a boca. Seminarista ou não, com todos pápeles ou não, vucê vai na cuemba p’ra num falares muito. E esse…o outro camarada, vais aprender a num cortar a idade.
Mas os militares que já não ouviam as rogativas de confirmação do que se afirmava, nem precisaram de “persuadir” Muxima a sentar-se…acabava de chegar o camião, já com mais alguns “desdocumentados”, recrutados à força, também eles desconhecedores da razão da guerra que iam fazer.
Naquele instante de arrasto, Muxima achava-se atordoado…isto só pode ser sonho do pensamento, só pode ser” – dizia ele para si próprio. Então, ele mesmo que foi acólito, catequista, agora seminarista e…até quem sabe o que seria mais!? Ele que quando nasceu, essa guerra já era velha e com donos, nem mesmo sabia como começou nem como estava; se até mesmo os dicôtas, todos eles, já tinham perdido a resposta da origem dessa guerra e a razão de ainda existir; ele que nem nunca incomodou uma mosca, nem que já uma formiguita que se apresente…e inda p’ra mais, Castruma…ele que nem idade de tiros ainda tinha (se é que existe uma idade para isso). Então eram eles que eles queriam p’ra pegar em armas? Ah, isso é azar!

Ele ainda tentou explicar, na insistência, que não tinha vocação para soldado e era inapto para matar. Mas o sargento acabado de chegar no Ural verde-tropa, cacetado da guerra e da liamba, já no empurrão no monangambé do camião, e depois de lhe contarem a história do sacristão, lhe ironizou:
- Então temos aqui um homem de fé, hem? Ainda bem, ainda bem!...Mas não tens que ter receio, então Deus não vai te proteger? – e desatou numa gargalhada.
Depois, pondo um ar mais sério e lhe olhando fundo nos olhos, lhe avisou:
- Com a ajuda de deus ou não, vais-te fazer homem…se tiveres tempo.

Com aquelas palavras do oficial, Muxima sentia já o sabor da solidão bélica. Ah como lhe fazia falta o Vigário Tristão. Mas o velho Vigário já não lhe podia valer. Ainda procurou informações no CRM (Centro de Recrutamento Militar), andou nos quartéis de informações desencontradas, tentou mover as montanhas de um qualquer poder, marcou audiência com patenteados…mas foi em vão. O seu S. Muxima já ía a caminho da recruta. Ele e Castruma foram destacados para fazer a recruta em Cabinda, para o Centro de Formação Militar de Buco-Zau.

No balanço do camião, também lhes balançava no pensamento, o futuro incerto que os esperaria. Sacolejavam inquietações caladas naqueles corações de meninos e pouco se falaram no caminho, perecia no olhar tentavam responder o “e agora?...” do desassossego que cada um levava. Mas numa curva mais apertada, ao inclinarem-se, vislumbraram o sorriso um do outro. Naquele silêncio, sabiam que levavam uma força maior. Antes de tudo, levavam a alegria de um momento memorável, de uma outra alegria em que ainda tinham uma inocência livre. E no meio daquele silêncio em que apenas se ouvia o motor do camião, gritaram em côro, perante o olhar espantado dos outros, “goooolo!”. Depois gargalharam desbocadamente, talvez a última.




Logo à chegada, no desembarque no Yema, sentiram a impiedade do inimigo, a ferocidade das armas e o empenho na mortandade. Sucediam-se os ataques dos irmãos desavindos, tornando os mancebos presas fáceis.
Dos cerca de 1200 mancebos recrutados com destino ao Centro de Formação de Buco-Zau, na hora de jurar bandeira sobravam pouco mais que oitocentos. Os restantes foram mortos ou feridos na “recepção” à coluna logo à entrada do Bailundo. Outros, ainda, nos ataques directos a academia ou mutilados por minas plantadas nas lavras, entre os milheirais e mandiocais, onde os mancebos tentavam matar a fome de alimentos que escasseavam na academia. Isso sem contar com os desertores.
Duas semanas depois de jurada a bandeira, Muxima e Castruma foram destacados para Cabinda, no Miconje, (na fronteira com a República Democrática do Congo), para o mesmo batalhão.
Com o rebolar dos anos, numa coisa o Sargento teve razão, a cuemba fazia-o aflitivamente crescer, fazia-o urgentemente ser homem. Os anos adormeciam criança, amanheciam adolescentes e, no decorrer do dia, amadureciam despencando de podres. E ele via-os passando como os seus, aqueles que abruptamente lhe tiraram.
Por vezes, em sonhos no meio do mato, tentava agarrá-los, enroscado entre a camuflagem da terra e o orvalho das folhas, mas eles já lhe tinham sido irremediavelmente roubados, adulterados, expiraram a sua validade, prescreveu o tempo de os puder querer ou reclamar, e ficou apenas um inidentificável vazio temporal entre a sua adolescência e a sua maturidade.
Esses anos, passavam dolorosamente em redundância, parecia aquele tempo que ele desconhecia existir do outro lado do sol, aquele preguiçoso de passar. Muxima contava o tempo com balas, as horas com canhões, os anos nas rugas dos cadáveres…inúmeros, mais que capim, plantados na sua última dor. Tingiam o chão choroso com sangue e suor…faltavam-lhes as lágrimas…não tiveram tempo de escorrê-las.




Numa tarde, ele, Castruma e mais cinco, foram fazer um reconhecimento do terreno por ordem do Comandante. Era necessário conhecer a posição do inimigo. Daí há dias, estava prevista uma operação militar de grande envergadura e era necessário evitar surpresas. Eles tinham uma missão de vital importância, como lhes disseram.
A chuva que fustigava o chão, tinha começado a cair de manhã cedo e ainda não tinha parado. O céu não se cansava de diluviar, embora agora fosse mais um amaciar da terra do que vergasta.
Na calma da mata, perturbada apenas pelo chilrear das aves abstraídas do guerrear dos homens, como sempre Muxima seguia atrás – dizia que não queria ser ele a premir a bala do gatilho, nem a primeira e nem a última. Os outros riam mas lhe deixavam. Sabiam da sua aversão a guerra e, embora não o expressassem, compreendiam-no.
Dizia o Comandante, que só um atormentado não almeja a paz. Mas entre os que desejam a paz, há quem suporte a trituração da guerra e quem enlouqueça com o seu abraço fétido. Muxima era dos que a guerra enlouquecia, Castruma era dos que suportavam a trituração incessante da guerra na mente agitada.

Nessa tarde, ainda, caminharam cerca de três horas entre o arvoredo denso, amputando os troncos e folhas em busca de passagem. Quando já iam na descida, depois da curvatura do morro em direcção a picada para a lagoa do Quenje, foi aí que o inimigo reconheceu os do reconhecimento inimigo, e lhes montou a emboscada. Eles deviam ter entrado na chamada “zona da morte”, mas Muxima se atrasou, e o inimigo afoito, se apressou no disparo. Na confusão, Muxima disparou só por instinto, nem se deu conta do que fazia, nem sequer fez pontaria num alvo – o dedo apenas se me comprimiu por sobrevivência, sem minha vontade mesmo. Juro que eu não queria – desculpava-se ele para si mesmo. Mas mesmo nas mãos de um homem de Deus, a arma alimenta a veracidade da morte.
Ele ainda viu o rapaz cair. Estava escondido por trás de uma palmeira do mato. Tinha-se posicionado do seu lado direito. Foi ele que na inexperiência assustada e ansiosa, iniciou o tiroteio prematuramente. As suas balas cantavam por cima das cabeças, procurando um destino alheio, mas foi só por instantes. Nessa roleta russa, os disparos de Muxima lhe chegaram primeiro, e viu a quase criança cair. Num segundo os olhos estavam esbugalhados, surpreendidos pela morte. A marca da munição, lhe ficou na testa de adolescente, abrindo um orifício de onde se esvaziou a vida

No final desse dia, dos batedores que saíram do acampamento, apenas voltaram dois. Castruma ficou…seu peito molhou o capim, espirrou a inevitabilidade do seu destino, traçado no cano mortífero de uma qualquer espingarda. Com o sorriso de paz que lhe ficou no rosto, parecia que desde a saída daquele beco em que deu a sua última gargalhada, a única coisa que verdadeiramente escolheu na vida foi o projéctil que lhe roubaria a vida: o de uma Kalashnikov. No corpo se contava apenas dezanove anos.





Muxima, agora um jovem idoso, foi desmobilizado com o chamado “advento da paz”. Na hora da partida como o bornal de lágrimas, sentia o sabor acre da miséria da guerra, da perda e da morte. Só queria despir aquela farda, aquelas botas, esquecer o verde…esquecer que algum dia ás vestiu. Queria lavar-se da gordura daquela guerra, matar a lembrança, os cheiros, os ruídos. Não queria ter nada. Nada! Não queria que lhe sobrasse nada que o ligasse aquele pranto. Mas apesar de tudo, Muxima sabia que restos lhe ficariam agarrados à memória e à pele, mas não custava tentar, dizia de si para si. Afinal a ilusão é a aspiração de concretização que persegue o espírito.

Na mesma capela que lhe viu menino, rodopiava o olhar, assegurava os passos tentando abraçar o passado roubado, mas só ouvia o eco de um passado mais recente, zeloso de o atormentar. Agora já não tinha o Vigário Tristão, nem Castruma, e, por isso, se achava ainda mais estilhaçado, mais desmembrado, sobrando so(em)mente um sabor inexacto das feridas da guerra em que foi recruta sem vocação, soldado à força e militarizado à bruta. Aspirava subtrair todo o seu sofrimento, lhe adicionar uma tempestade de esquecimento e esperar como resultado, apenas uma cicatriz sem lhe recordar a origem.

Nos joelhos do altar que lhe viu sacristão, se enlutou pelo Vigário Tristão e por Castruma. Mas algo sobrepunha-se a essa tristeza, edificando um arranha-céus de dolência. Por mais que tentasse, dava consigo, inconscientemente, em rezas pelo inimigo caído, tentando expiar o pecado da aniquilação inevitável e, com o tempo, se submeteu ao que num momento sem espera, nem audiência marcada, esperava que lhe desse um deus, mesmo que só um qualquer: o reencontro do corpo com a alma.
Nessas horas de murmúrios do terço sem dias, lembrava o que num dia lhe disse o Vigário Tristão, quando ele o questionou sobre a fé e o dogma:
- Apenas a fé nos faz suportar as dores desse mundo-escola que nos será passageiro. Só nós e por nós mesmos, podemos expiar os pecados do corpo e as tentações da mente – lembra-te que um homem de Deus também peca e tem tentações. No entanto, só assim, com a fé vamos e pudemos superar as provações do corpo e da mente. Apenas aí, reside a essência do que nos liga a Deus e do que a nossa vontade almeja. De outro modo, o dogma impõe-se porque Deus não é perceptível nem cognoscível racionalmente. Assim, o dogma tem cabimento na fé e esta naquele. O dogma fortalece a crença, reforça a fé e, por sua vez, a fé redunda em crença que reforça o que o dogma afirma. Caso contrário não sobreviveria nenhuma religião. Todas têm que se pautar pela inflexibilidade do dogma suportado na fé. Por isso, é necessário o alimento permanente da comunhão em Igreja.
- Mas sô Vigário, se a fé é o que me liga com Deus, então p’ra quê preciso ir na Igreja. Me basta só ter fé. – respondia Muxima. E insistia nas suas dúvidas.
- Outra coisa que despercebi. Se para ter fé se tem liberdade, porquê no dogma há inflexibilidade, se um “tem cabimento no outro”? – o Vigário ria.
- Tem a sua lógica, mas hás-de perceber com o tempo que não é de lógica que se trata. Há muito menos do que possas alcançar, se acreditares no caixeiro-viajante que te quer vender um lugar no céu.

Apenas hoje, na sua caladês em que se ouvia apenas os engolires de saliva, Muxima teve tempo de recordar, imaginar conversar com o velho que lhe recolheu menino, quando ele ficou órfão…:
Mas na sua matematicação da fé, Muxima achava que o resultado deveria ser justo, exacto e não vago; o dogma indiscutível mas não doloroso. E a injustiça da fé? Apenas alcanças o que desejas se tiveres fé, se não alcançares é porque a tua fé não é suficientemente forte. E a sua fé de todos os dias de quatro anos? À que deus lha ligou? Por outro lado, essa fé que se achava e encontrava como dogma na sua essência enquanto resultado, seria necessariamente inversa aos moldes da justiça que ele almejava. Então que liberdade de escolha lhe sobrava entre o bem e o mal, esse livre arbítrio com que todos os homens devem nascer por graça do senhor, como lhe ensinaram? Teria já perdido a noção de justiça no dogma das balas, ou perdeu a fé na injustiça das balas? E quantos são os de nós que temos fé uma justiça ou uma fé justa? Não nos será legítimo racionalmente – não por natureza – acreditar ter fé numa justiça, mesmo que apenas nossa? Não será a nossa necessidade de almejarmos o que não somos, que nos faz, por natureza, necessitar de acreditar – mesmo sem que vejamos, justificando apenas com os seus efeitos – acreditar em algo que nos é superior? E se apenas for energia, força criadora, e que no frenético borbulhar do universo, tenhamos resultado em força e matéria? Será essa força-energia, suficiente para que a consideremos inteligível?
Nunca tanto rebuscara m si tanta contradição. Esqueceu por momentos a dissertação teológica. Na vitrola da memória – apenas nessa não havia contagem do tempo – tocava de novo o disco de uma nota só, riscado e incessantemente girando na orla ensombrada do seu desassossego. Parecia onda: bate, bate…até que inunda. E Muxima se inundava, cada vez mais, já quase mais do que mar.
Naquele sofrimento, tentava se convencer que não lhe restou mais opção: “ou era ele ou era eu” – justificava a si próprio. Mas e aquele corpo mortificado que não lhe sabia sair nem lhe dar sossego na cabeça? Ele que por tanto sítio catequizou, apregoo a paz e amor…e agora, aí, tinha matado. Quem é que conseguia viver com isso?

Na lembrança teimosa, parecia-lhe inamovível o olhar daquele esgar angustiado, já sentindo o seu enterramento no chão sangrado de Cabinda, e sabendo que seria apenas mais um, sem direito a enterro, sem as pompas das circunstâncias (por vezes não havia tempo de recolher os corpos). Apenas o tempo, a erva e a terra cobri-lo-ia com os anos.
Por mais que tentasse se desculpar junto da vida, por mais que multiplicasse o seu arrependimento; esse só dava para multiplicar por um...o resultado era sempre dor. Inevitável dor. Parecia que suportava a dor do mundo embrulhada num fardo, carregado, não nas costas, mas na congestionada memoração da cabeça.
Nos sonhos lavados com suores de insónias nas noites de despertar com susto, ao alvejar aquele corpo, descobriu que fatalmente se alvejou também na alma. Desde então, Muxima se alistou no exército da solidão, desses soldados que guerreiam seus medos com a voz do coração e apaziguam a dor exilando-as nas recordações da mente. Tornou-se deambulista desrrumado. A cabeça já não erguia, estacionou no peito, tombada como aquele corpo no Quenje. No peito magoado, ao contrário de outros, o seu tormento tinha rosto: o rosto da vítima.

Aquando da sua passagem abstraciturna, quem lhe apercebia, sussurrava que ele tinha visto a morte de frente mas essa lhe recusou o corpo, apenas lhe esvaziou de alma:
- Esse homem já num tem alma, apenas está esperar a morte do corpo.
- Hum, mas como é que um homem que tá vivo num tem alma, Ti Chico?
- Você não sabe que há homis que perdeu a alma sem perder o corpo. Só quando terminar uma dor dele que ele é que sabe, aí ele se desperta e assim se pode haver reencontro do corpo na alma ou da alma no corpo. Do despertar dele vai sair decisão de entrar no mundo dos mortos, ou de viver com respirar de aflição!

Muxima se mantinha alheio dos dizeres. Com esse celibato da garganta se desabituou do grito, mesmo o de dor de picada, e nunca mais lhe conheceram voz nas palavras. Dele se ouviam apenas silêncios. Mas, embora abstruso, nele crepitava conversa no palanque do peito.
Com o bornal da mágoa, Muxima deambulou por mais de cinco anos contando a sucessão das batidas da aflição na contusão do coração, até que lhe perderam de vista. Se deixou de se lhe ver, de se lhe cheirar, de lhe ouvir silêncio com a cabeça recurvada no regaço do peito; e Muxima se alonjava sem perceber distâncias nem o cansaço dos passos, se achou disperso numa latitude e longitude irregulares sem exactidão. Andou só, até no desfalecimento do sono. No sonho que lhe veio, sentiu o corpo se semear no chão como aquele outro corpo retorcido na curva do acabamento da vida. O seu se enterrava cada vez mais no fundo da terra, tal qual um tubérculo, e parecia tudo lhe desobrigava de viver essa vida, lhe impondo aquele lugar onde dormia. Subitamente, sentiu a sede na boca mas nem toda a água que lhe alagava chegou. Sobrou-lhe uma lágrima do pensamento que quando lhe aflorou os lábios, parecia o copo que transbordou com gota lhe despertando do sono. Mas sem saber, esse despertar era já no próprio sono e essa água já não era água de vida.
Ao acordar, moxoxou no sonho o estranho sonho para lhe afastar da preocupação e lhe tirar importância, mas como sonho estranho é cisma p’ró dia, o enigma lhe acompanhou no caminho indestinado, era só mesmo de passo vão. E à medida do pé da cisma, deixou de ver a bola de fogo brando lhe anunciando um poente ou um nascente de mais um dia no tormento dos seus pensamentos, nem a bola de lua que lhe habituava o sono e dividia o dia da noite. O vento já não chegava zunindo, desconseguia sentir calor ou frio; deixou de ver o amadrugar das estrelas – no alto, agora, caminhava um quase céu distraído de estrelas. O tempo era indizível no tanto que parou a paisagem.




Ao passar por um riacho que se contraía e expandia, parecia o pulsar de um coração, deteve-se perante insólita concha de água. Foi aí que apercebeu que os seus olhos tinham conquistado um brilho sem expressão, a sua silhueta se esfumava balançando no ar numa espiral mórbida, como um expirar de cigarro suave ia-se esfumando lentamente, aos poucos, sendo sugado para o riacho em remoinho vagaroso. Lentamente, Muxima sentiu acomodar-se no mergulho do riacho e desaguar na beira de um rio em que na clareira que se formava um mundo sem tempo nem hora; um mundo vagaroso de minutos imortais. Em Muxima nasceu a certeza do sonho real: “morri no sonho, já não tenho corpo, só paixão. Sussurro enamorado piscando já um olho a alma. Já não adianta tentar despertar, desabrochar os olhos. É a morte súbita, cálida, quase terna…é verdade que houve aquele incidente…pronto. Crime! Assumo! Mas que importa se em contornos branco-fluorescentes vislumbro a minha vítima, já sem o orifício mortal, sem o sangue rouge da sua mortalidade, sem o olhar surpreso pedindo clemência ao céu de um qualquer deus – talvez o mesmo que tanto procurei. Ali está ele, o rapazinho soldado, já sem bravura nem ódio…ali está ele, sorrindo, me acenando…: - vem…vem buscar a tua alma, tens a libertação do corpo, reencontra-te na alma. Ah, quem me dera escolher outra forma de vida e pudesse tocá-lo sem armas em vida. Esse é o mundo das almas doridas. Aqui reencontrei a minha”.
Nessa hora, desrrolhou a tristeza contida e desaguou as últimas lágrimas que conhecera noutro mundo, pelo mundo que desconhecia existir do outro lado do sol. Não pela morte que lhe veio, que sabia ele esperou (as vezes mesmo desejou), mesmo que agora se revelasse impreparado. Sentiu enfraquecer o corpo, suavemente esfumar-se ainda mais, e com a lentidão que se impõem por trás do sol, lentamente se engravidou com a alma perdida. Nesse quase desmaio, descobriu nele a alma fugida, ausente e magoada; a voz amordaçada e rasurada. Lhe veio a paz na morte que o tormento da morte em vida não conseguiu.

Nota: Por mais veemente que seja a proclamação da nossa diferença como humanos, sobressairá sempre a nossa diversidade como iguais. As fraquezas e as dores nos aflorarão de derme para epiderme, implodindo diferentes corações no mesmo tormento humano.


Vocábulos utilizados neste conto:

1. Mujimbo: contar, contar em segredo; mujimbar (boato);
2. Kimbo: aldeia (termo utilizado no norte e Leste de Angola)
3. Miconje: região situada no norte do enclave de Cabinda, próxima da fronteira com a República Democrática do Congo.
4. Muxima: significa coração em Kimbundú, língua nacional predominante no norte de Angola;
5. Cangaram: agarraram, caçaram;
6. Ambaquistas: naturais de Ambaca;
7. Cuemba: fazer o serviço militar, incorporação militar, fazer a tropa;
8. Avilo: em linguagem popular (calão) signikfica amigo;
9. Ural: camião de fabrico russo muito utilizado durante a recente guerra civil angolana. O nome deve-se aos montes Urais;
10. Cacetado: aquele que apanhou com um cacete. Transposto para o calão, foi adoptado para designar aquele que é desequilibrado, traumatizado, alterado por influência de drogas, substâncias psicotrópicas;
11. Buco-Zau: região situada no norte do enclave de Cabinda, próxima do rio Luala;
12. Yema: região situada a sudoeste do enclave de Cabinda;
13. Morolento: muito lento, excessivamente moroso.

publicado por Lancelote às 23:00
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Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 2005

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batucadores.gif Grupo Etnográfico da Humpata (Huíla/Angola)

I


Na primeira vez que lhe vi e ouvi, foi num jango nas margens do Rio Cuito. Era já mais-velho que vencera a idade do tempo. Nem mesmo Yangue (Deus, em Umbundu) sabia quando lhe fez. Se lhe deram pais, nem já esses, subsistindo num hoje, saberiam o nome que lhe puseram. Nunca que nunca, vivente algum reclamou lhe saber pronunciar o nome baptismal. Ele mesmo, também, há muito que, se esquecera do seu próprio nome e, por isso, todos só lhe chamavam o Sekulo. Nas palavras de quem assim lhe referenciava, se notava, lhe tinham evidentes respeitos, mais que de um Sekulo. Se podia dizer: ele era o Sekulo dos Sekulos! Mas mais que tudo, enigmação era lhe saber procedência. Ninguém lhe sabia da origem, nem nunca lhe questiúncularam, entre a voz na língua da boca, para saber. No acotovelar da curiosidade da resposta, os miúdos, em recuos e avanços, tentavam fazer a pergunta inquietosa, mas os mais-velhos ramalhavam a voz: - Eheheheheheh! Xé minino, num faz isso, é desrespeito no Sekulo! Uns diziam que ele era de mais longe, um sobado longínquo, perto já das portas do findar deste mundo; terras perto da bordadura de um rio do tamanho de mil Cuitos. Um rio sem margens lodomacentas, que ele próprio, nas suas histórias, dizia tem água de todos os rios. Mais que isso. A água que lhe corre é do sabor do sal. - Haka!!! Mas como é que pode? De onde é que se pode tirar tanto sal para salgar tanta água? E para quê uma água com sal? Num se bebe; o cacusso e o bagre em tal líquido se lhe morrem, para quê então tanta água para tanto nada que fazer com ela? Só pode ser visão de quem esteve ou é de um outro mundo. Outros, quando se falava do rio, no rumorejo próprio de sanzala, se dizia era donde ele sempre saía. Na boca dos mais inventivos crentes, se afirmava que ele era o próprio rio na figura da gente, o companheiro do vento, era essência sapiente do tempo. Única dúvida que sempre me sobreveio, confesso-vos, sempre me misteriou, era sua aparição: se apresentava sempre, vindo de um nenhures inesperado e silencioso na noite calada de bulício dos dias. Discussão complexa ou simples, de intenção ou de inocência empanturrada de ignorância, assentamento é que ele era Sekulo com século, e que só vinha de noite nas sanzalas no corpo de velho, para descansar. - Mas descansar de quê? - Descansar com as conversas no jango, da solidão que é a correnteza incessante e monótona de se ser o Cuito (de facto, de dia nunca se lhe viu andamento em qualquer caminho poeirento, nem esfumar de cachimbo na porta de uma qualquer cubata, como era usança dos mais-velhos com da sua aparente distante idade. Nada. Embora a fama da sua existência, já começasse no Mandembo, a sua longevidade era de intrigância ainda maior). Se dizia que quando ele chegava, se via um deslizar que rasgava, recortava, cosia e recosia a superfície da água do Cuito, parecendo o deslizar do jacaré num tanto suave à escuta da presa, noutro tanto abrupto na pega da presa. Depois, se lhe via onda lenta que reflectia como um espelho, se espreguiçar no ar, desconstruir transparência e construir o corpo caduco que, já assim, se nos apresentava naqueles serões. Havia mesmo quem afirmava já tê-lo visto em tamanha metamorfose. Para os cépticos, aqueles lhes alegavam que tal sortilégio só podia ser na escuridão das noites, até porque também de dia o rio não se sentia descampado nem desacompanhado. Tinham-lhe por companhia, em “fimbas”, os miúdos, os pescadores em recuos de redes, as lavadeiras em sacolejos, assim, o caminhar em caudal contracurvado, até na foz dos beijos que se dava com o tal mar, se tornava menos monótono. Mas a verdade é que ele só vinha e chegava, e nunca se sabia de onde. Perguntar? “Nem que faz isso minino…! Vucê quer trazer azar na sanzala?” Nesse dia, nas próprias margens do rio que se dizia ser ele o próprio, na companhia de outros tantos miúdos, lhe implorei: - Vavô conta só uma história. Mas história de gente com gente – lhe adverti. Baixou a cabeça, procurando desfolhar as páginas de recordandos guardados no pináculo da sua memória, me olhou fixo com aqueles olhos sem reflexo de alma, parecia olhar de tchingange, depois de um tossicar breve que sempre fazia, nos começou: - Vocês são de um tempo de mais paz, mas aqui… – muxoxou o velho, se pondo o olhar inumano numa qualquer relembrança distante – num foi sempre assim. No princípio, esta era terra ausente, vazia de gente, de plantas, de animais, se existia por si apenas, até que veio um ano de muita seca, incomparável com a própria seca da soma da seca de todos os sobados. Tudo morria de tanta secáridez. Depois de dois anos da fuga da chuva, apenas tinham sobrado, da matança da sede, Onuíla, uma bela e esbelta impala do norte, e Cuílo, poderoso leão das savanas do Leste. Depois de um tanto procurarem num caminhar deslongínquo, ávidos de água, encontraram esta terra desconhecida. Aqui, descobriram a correnteza, ainda criança, do Cuito que nunca secara, e em margens opostas, sem que se avistassem, saciaram a secura da garganta. Mas o reflexo da lua no rosto do rio, iluminou e lhes apresentou um no outro com encantamentos que só o cintilar da calmia do Cuito consegue. Desde então, se entrelaçaram em promessas de amores eternos. Bestializaram-se, ainda mais, numa afecção desmesurada, sequiosa de paixão como a água para molhar aquela seca. De tanto bem-querer raro, de monumental sentimento, nasceu Angola, menina com a beleza arrepiadora de Onuíla, e N’gola, menino com a força de vencer de Cuílo. Nesta terra, antes vazia, apenas cheia de si, à medida que Angola e N’gola nas suas correrias cresciam, o Cuito lhes seguia alagando as margens que lhe floresciam, anunciando o fim da mortífera seca, à que ele lhe sobrevivera. Nessa altura, o rio já crescera mais que lagoa, se perdia já de vista no seu correr e, à medida que se alongava, de brincadeira, para entreter a monotonia do seu correr, levava o reflexo de Angola e N´gola em banhos e chapinhações no seu manto aquífero. Mas essa mesma corrente, na inocência do seu entretenimento, chegou nos povoados de perto e nos de longe e, que no encantamento do reflexo de Angola e N´gola, trazia gente desses povoados afastados. Aquilo era multidão, mais que povo, era gente de perder de vista. Mesmo nas terras onde o Cuito não chegava, de ouvir falar de boca em boca a notícia se espalhava e queriam conhecer tal beleza quase inumana. Estavam enfeitiçados na beleza de Angola reflectida nos olhos do Cuito E esse continuava a levar, levava…levava numa margem a imagem da bela Angola de olhos amendoados, cabelo escorreito e escuro de breu, de pele cor de ébano, moscada, amansada em leite de cabra no primeiro raiar de sol, com seios arredondados e ternurentos, pendendo seguros no peito amissangado e gingando o corpo serpenteado como as contracurvas do Cuito. Na outra margem, levava a imponência de guerreiro de N’gola., a sua altivez de Rei cuanhama. Na margerm que levava a imagem de um, razia os respectivos adeptos e pretendentes. Para qualquer canto onde molhasse, levava parecia era mensageiro, e cada vez vinha mais gente, principalmente por causa de Angola. Mas Angola…era só uma. E como ela…não havia mais nenhuma. Não tardou, logo os pretendentes se iniciaram em discussões de razões, de direitos e pretensões. Depois de ofensas, uns se pegaram de pedras e atiraram nos outros. Os outros, na vingança, lhes arremessaram paus. Os uns descobriram o ferro e, quando lhe descobriram mais mortal que paus e pedras, essas, por sua vez, chamaram a morte para muitos outros. Esses, na raiva, destruíram as lavras dos uns e veio a fome. No meio da barafunda entre uns e outros, se inventaram as armas, e, na ambição de vencer, mesmo que já sem a certeza de saber o quê, porquê e p’ra quê, nasceram as balas. Nesse tempo, as balas falavam e tinham nomes: haviam balas de raiva, balas de enganos de um amanhã melhor, balas de fome em olhos pueris fatigados de fome, balas do sacrifício de um nós por um eu, de um vós por um tu e de um eles que se submetem a um ele. Todas elas eram lacaias da morte com um único desejo e aspiração: de entrar no peito de alguém, se alojar efemeramente e, de ferimento moroso, lhes roubar de vida. Era a submissão da paz aos pés da ignorância, em nome de uma guerra, trauteada em voz de bala, na ambição de uma espingarda. Nessa demora em que as armas ainda não emudeciam, ainda que com dor de mágoa, o luto era vestimenta de moça recém casada, de mães doridas; era um tempo que a dor era demais; já num tinha vergonha de doer daquela maneira no povo. Se dormia assustado, se acordava com lágrima já seca de impotência – “às vez” mesmo, essa se cansava de pingar. Eram uns anos em que nessa terra, o sangue dos seus filhos lhe lavou se escorrendo com cheiro da morte. Nunca que tanto que nos doeu a dor. A guerra se alimentou da dor da viúva, da lágrima da mãe, do choro do órfão, todos descalceando na avenida da ausência de um ente-alguém. A própria terra, da vergonha dos homens, à cada golpe se reduzia a chão, se desmoronava em simples pedra, já quase num havia dia. O céu se enegrecia, cada vez mais, de todo ódio das balas. Nessa altura, a morte se abanqueteou, se empanturrando de padecentes e mutilados, do sofrimento, do nada que restou para muitos que o Cuito trouxe para verem a beleza de Angola. Agora, os uns e outros já se perderam na origem da zanga, e nesse anteontem se intrometeu mais que uma ambição: a chuva de um luto que já num levava a lágrima da perda da vida…era já roubo da vida aquilo que levava.


II


Por um momento preciso parar no conto. Recordo um passado saudoso de vozes que ainda hoje as busco. Num princípio que é sempre o mesmo, me atraem mas perco-lhes…incessantemente perco-lhes. Tenho a imprecisão de quem quer esquecer a amofinação da tristeza e a aflição de quando se tem a precisão do que se almeja. Nessa altura, me lembrei dos meus tempos de candengué nas terras do litoral na beira do mar – o tal rio do tamanho de mil Cuitos com água com sabor de sal. Lembrei das brigas com encanqueiros nas barrocas do Miramar, das pelejas de futebol no Rangel na terra batida do campo do S. Domingos. Lembrei de Mariana, mulher crescida e instruída com os anos, envelhecida da vida, “amantisada” com Feliz Mino, camionista (vida dura num tempo cruel). Amor aí era de verdade (e só podia ser, para conseguir subsistir nesses tempos em que a faina de cada acordar era engendrar a sobrevivência desse dia), que embora só se consumando uma vez por mês, quando ele vinha do norte, de Cabinda, Mariana lhe esperava com a ansiedade de um primeiro amor, de um primeiro beijo. Feliz Mino, na correria que lhe corroía o coração da saudade, deixava o próprio Camião ali, em frente de casa, ainda, em cima, com os toros por serrar na “Panga-Panga”, e, ficava ainda, dois ou três dias na matança de saudades. Depois de confirmada que a cadência do coração na última partida era a mesma da recente chegada, Feliz Mino ia como chegava, na calada da noite. Nessa escuridão que se interpõe no calcorrear do dia, em que criança no sono já não ouve o adeus de paixão dos corpos dos adultos, entre ele e ela…apenas essa noite testemunhava aquele trejeito de Mariana com a ajuda do mês a lhe morrer na palma da mão, essa mesma mão em que queria fechar Feliz Mino, nem que só por um minuto, num aperto com beijo floreado antes de um próximo mês. Um mês chegou em que Feliz Mino lhe faltou. Mariana se inquietou. Rodeou saber notícias e encontrou-as. Na “Panga-panga”, Caquarta, amigo comum, lhe disse que num ataque da FLEC lhe incendiaram o camião com os toros e tudo. “Feliz Mino se foi, mó Deus – gritou uma lágrima silenciosa que lhe escorreu descuidada”. O que lhe sobrou foi uma fotografia meio queimada retirada das cinzas que Feliz Mino sempre transportava, e que por pudor, não entregaram na viúva: era Mariana e ele no sorriso de um abraço, entre uma qualquer partida e chegada. Entre as tremor do choro e os pêsames que lhe desejavam, Mariana, cabisbaixa, se repetia: “lhe dividir sempre lhe aceitei, mas porque me tiraste, Nzambiuué?”. Esses eram uns tempos que os pariu… Me lembrei de recordações quase perdidas da minha memória – quase, porque história que se passou mesmo…essa num esqueço – e lhes pus aqui neste conto com voz, com vontade de ser poema, mesmo que de um pensamento cansado de velho. Huuummm…não consigo evitar chuvinhar uma lágrima no canto do olho…me lembrei de Zeca, aiué!!! Nos dois, ainda miúdos, ele menos que eu, de farda da O.P.A. e arma de pau no ombro. Marchávamos, lado à lado, com a voz no mesmo coro do hino e olhávamos a bandeira, essa, a mesma que cobriu o teu caixão na hora da partida… Nesse inesperado momento em que ouvi a minha voz me sair do pensamento, mesmo que de baixinho, mas com ainda dar p’ra ouvir, te homenageio companheiro. Onde quer que estejas, por ti direi: PRESENTE CAMARADAS!


III


Voltando no conto, intempestivamente o velho tremeu, parecia uma menos sarada ferida foi cutucada com um relampejo da recordação. Se deteve na narração e se pôs naqueles olhares, de quem só viveu é que pode sentir. O velho Sekulo nos olhou, se sorriu devagar da nossa espasmantação. Se confessou: “a velhice tem a vantagem da sabedoria e o contentamento do que se viveu nos anos que foram, mas também tem o desgosto do sofrimento. Mesmo que se quisesse, num dá…está tudo guardado na mesma cabeça, mesmo que as vez o esquecimento lhe quer tapar”. Nos olhou ainda com a meiguice que só os cabelos caducos dão, parecia na fundura daquela alma, se regozijava de não termos vivido naquele tempo da história. Tossicou breve no velho hábito de iniciar histórias e retomou a narração: - Humhumhum! – exclamou, ainda recordando – …foi muita…muita vida que se perdeu, e isso, foi durante anos que se passou assim. Em cada ferimento, Angola morria de mais um bocado, se entristecia, principalmente no sabimento que era dela que se guerreavam. E, aqueles que lutavam, nem percebiam que a definhes se acumulava tanta que ela perdia o seu encantamento. Mas numa noite, ainda mais cheia de noite, que parecia mais é escuridão de cacimbo, mesmo a lua, se amostrava receosa dessa noite de abismo sem fundo, e se escondia entre as nuvens, espreitando vez em quando – parecia tinha medo de fazer sua tarefa de aluar os namorados, lhes molhar de luajar, inebriar, lhes incitar para amar. Mesmo os soldados, lhe repararam que estava de modos acanhados: “então lua também se envergonha da noite? – se riram – Deixa lá, ela é que sabe. Até esse escuro, mesmo, ajuda então. Assim é só chegar de emboscada e…trrraaatátátátátátá!”. Verdade mesmo é que essa noite, para os mais enamorados, os mais resolutos de namoro, os insaciáveis, essa num era noite convidativa de fazer o coração pulsar forte, se embrenhar num beco ou numa esquina e se amar com quase sem pudor. Nessa noite, o vento zunia rápido, ligeiro, chiava assobios de aviso. As árvores, mesmo as mais arrogantes, se contorciam e acatavam o alerta na sua passagem. Se escondiam, vergadas em si dessa noite indistinta. As ruas se despiram de gente, de sons, de luzes, do tremelear das chamas de lamparinas, dos cheiros, de tudo. Só existia mesmo , ainda, aquele ora rio, ora mar da lua envergonhada que, no seu camuflar entre as nuvens, de vez em quando ainda molhava as ruas. Essas mesmas, que mostravam uma nudez despropositada no que era normal, se reportavam num qualquer tempo em que, elas mesmas ainda não eram ruas. Só mesmo os grilos, esses persistentes , insistiam em dar quase vida cricrilando desbocadamente, mas mesmo o seu cricri era desabitual. Tudo conspirava para ser o dia que nos mudou.


IV


 Depois de recordar os tantos companheiros que há muito lhes ofereci um adeus saudoso, isso num tempo com um outro demorar de passar as horas; depois que recordei os meus tempos de meninice, estou cheio de vazio, sinto-me descontinuado de competências para dar seguimento na tinturação da folha desse conto. A única coisa que me sobra no vespeiro do cocuruto, e que ainda lhe protejo do esquecimento, é aquele dia…aquele que nos reconstruiu como gente. Já na entrada em casa, ouvi o avô Chipuaka, entre dois tossicares nicotínicos, muxoxar um resmungo imperceptível. Se esfregou nos braços, p’ra aquecer as palma das mão nos cotovelos e reclamou de novo p’ra dar de se lhe ouvir: - Porra, agora aqui frio é anssim?! Nem que se avisa…só chega e se esfria num repente?! Nesse instante, com a rapidez de duas batidas do coração, o mais-velho nem se acabou de reclamar…se ouviu um estrondo desconhecido dos nossos ouvidos, era novo e estranho. Em mim, ainda não se ouviu nada assim até hoje. Todos , cada qual no seu ouvido, tentavam descobrir o lugar de dimanagem de tal som. Cada qual calado, nos entreolhamos interrogonumbáticos, parecia buscávamos respostas de assentimento no conhecimento de tal som, uns nos olhares dos outros. Ninguém se encorajou, sozinho, de procurar saber. Esperavam audácia os uns dos outros (e eles que tanta audácia tiveram na violência da guerra…agora temiam avisos de um qualquer estrondo). O velho quebrou a indecisão: - Vamos todos em conjunto. De um qualquer modo, temos mesmo que saber o que é que se passa nesse estrondo. Tudo em cuidadoso passo, fila indiana, uns se escudando nos outros e os outros nos uns, espreitando por cima do ombro uns dos outros, nos achegamos na porta, mas nada de insuspeito. Mais uma vez, o velho Tchipuaka incitou: - Hehe, Chico…vê então o que é isso!!!? - Mas num viram mesmo mais ninguém para fazer verificação? – respondeu o temeroso Chico. - Anda lá, abre a porta – se impacientaram os outros, nem lhe dando tempo de suspiro. Quando se escancarou a porta, parecia o mundo lá fora virou pintura num quadro. A porta era a tela sobre um cavalete de dobradiças, e, desde a primeira partícula de ar que se expirava para fora, ao atingir esse novo mundo, se ganhava de cores que até então para nós inexistiam assim. A espantação foi geral…Ali estava o universo a ser pincelado pela mãe natureza. Lhe corrigia imperfeições, restaurava feridas da brutalidade dos homens e reconstruía desgastes do tempo. A noite, antes escura de negro, agora era branco-luz. As ruas despidas de povo, agora se vestiam de um branco reluzente. Perante os nossos olhos arregalados de gente com susto, impavidamente caíam flocos de neve. A tia Caulina, ainda esfregou os olhos. Acreditou que os companheiros embutidos nas órbitas da nascença, com a idade lhe traíam…mas nada. Perante nova revisão ao estado das coisas…se mantinha aquele manto de flocos de gelo, sereno, imperturbável na sua queda. Mesmo já na rua, tia Caulina, a mais incrédula, ainda lhe pôs as mãos na própria neve – as mãos, se houvesse engano dos olhos, iam de demonstrar esse engano. E quando, mesmo aquelas se tocaram com a branca neve de candura e lhe sentiram gélida, perceberam que a beleza pode ser fria e a dor ardente. Quantas vezes nos entregamos ao sofrimento da dor sem sentir a dor do sofrimento? Até hoje, nada me explica o que vi. Sei apenas que nessa noite, em Mavinga, no Cuando-Cubango, no Cuito, em Ondjiva, enfim nas terras sob o jugo do luto da guerra, a brancura se espalhou mais que praga. Por momentos, as armas calaram e as balas murcharam. Os irmãos desavindos entre uns e outros, ainda de AK47 na mão, olhavam no céu. Se sentiram ridículos naquela posição de matar. Agora pareciam crianças graúdas, envergonhadas de travessuras absurdas. Naqueles rostos cofiados de corpos rudes e corações endurecidos, perante tanta brancura pura se emocionaram. Os olhos rasaram de uma outra água que já não sabiam existir neles e os abraços se entrelaçaram, tentando se entender. Quem não sorria, desconseguiu de não sorrir e os dias mais dias ficaram. As balas, essas há muito que murcharam no cano da espingarda, desperceberam que chegou um tempo de terminar a seca de paz, e essa foi a própria noite dos primeiros chuviscos. Como qualquer tristeza na moeda da vida, no reverso existe resguardada uma alegria.


V


Naquele tempo tempestivo que se sentia nas palavras do Sekulo, se sentiu a bonança chegar na voz, essa morrer devagarinho como no final de uma história, mas sabíamos, nós miúdos habituados a muitas histórias, sabíamos que essa não terminara ainda. Há sempre uma entoação na voz que se anuncia em final de conto e as palavras são sempre as mesmas que se apressam na saída, e essas ainda não eram palavras de “fim”. O Sekulo pareceu nos adivinhou de pensamentos. Nos olhou, se sorrindo devagar falou: - Amanhã acabo de contar. Essa já é hora de criança estar no sono. – Nos sorriu de novo, reluzindo a brancura dos dentes que davam vida ao rosto ossudo de defunto. Enquanto se abagageirava dos seus panos que pareciam nasceram com ele de tão velhos que estavam, balançou os colares de missangas no peito seco e côncavo e, antes do adeus, impreparados, lhe ouvimos dizer: - Eu sou N’gola! Vivo na outra margem do Cuito. Nós somos N’gola! Precisamos recordar-nos à cada instante que por Angola muitos perderam a vida. Para que não exista novamente um amanhã incerto, para os nós e os outros que nos virão, fica aqui a lembrança de recordar de não esquecer, porquê nos doeu tanto a dor do parto da paz. Dito isto, num passo vagaroso se afastou lá no horizonte do rio. Quase lhe vimos, no declive, parecia estava a entrar na água. Ainda lhe vimos mais uma vez, nos sorriu com aceno e se foi. Desde então, nunca mais lhe avistaram. Já mandei os meus cumprimentos com o vento, mas voltam sempre sem resposta. Num tempo depois, quando o sol já morria no poente, juro, lhe vi!... vinha sentado na proa de uma onda suave de rio, que rasgava, recortava, cosia e recosia a superfície da água do meu rio, parecendo o deslizar do jacaré num tanto suave à escuta da presa, noutro tanto abrupto na pega da presa. Essa onda tinha reflexo de espelho, reflectia os erros do passado, a dor do presente e o querer de um futuro. Depois disso, já após a minha partida, ouvi dizer que o Cuito secou abruptamente. Nem sequer era ano com seca – há quem diga que com o sangue que se verteu, só o Cuito podia lavar a terra. P.S.: Eu sou N’gola, preciso me ausentar na eternidade para que renasça Angola. O curso do rio, ninguém muda. É só num sentido, embora tenha duas margens.

Dicionário de vocábulos que foram empregues aqui:

1. Jango: local de madeira e palha, contruído em círculo, principalmente no sul de Angola, onde os habitantes das aldeias se reuniam ao serão para constarem histórias, discutir ou tomar decisões em conselho da aldeia;
2. Yangue: expressão que designa Deus em Umbundu (língua do sul de Angola); Suku Yangue ( Ai, meu Deus);
3. Sekulo: idoso, velho, sábio;
4. Sobado: em regra designa um conjunto de aldeias ou aldeia, cujo o chefe supremo é o soba ou régulo;
5. Haka!: interjeição em umbundu para designar impaciaência, irritação, espanto ou indiganação, variando em função da situação em concreto. Em português, poderemos aproximá-la ao “caramba!”;
6. Cacusso e bagre: são peixes de água doce;
7. Mandembo: localidade situada no Leste de Angola;
8. Fimba: expressão popular (calão), utilizada principalmente em Luanda (capital de Angola), para designar um mergulho no mar , num rio, num lago, etc;
9. N´gola: nome para designar um dos Reinos que veio dar o nome ao actual Estado Angolano. Tal, tem reminiscências anteriores ao período dos descobrimentos, em que os portugueses chegaram ao território, hoje designado Angola, no final do século XV. Para além desse portentoso Reino, outros tantos haviam com igual relevância nesse período, destacando-se o Reino do N´dongo, Cuanhama, entre outros;
10. Tchingange: homens fantasiados com máscaras decorativas, variando em função do tipo de comemoração (ex: uma oferenda aos Deuses e aos antepassados, uma festa , espantar um mal que assole a aldeia ou apenas por ocasião de uma qualquer festa, nascimento, etc);
11. Candengué: termo que designa criança, miúdo e advém dos termos kimbundo monandengué e monami;
12. Encanqueiros: expressão em linguagem popular (calão), para designar miúdo arruaceiro, miúdo de rua;
13. Amantisar: aquele ou aquele que se torna “oficialmente”amante de um homem ou mulher casado(a);
14. Panga-Panga: empresa nacional de transformação dos toros de madeira que eram trazido, principalmente, do norte madeireiro de Angola: a floresta do Maiombe no enclave de Cabianda;
15. Nzambi: Deus em Kimbundu (língua nacional predominante no norte de Angola;
16. Dimanagem: embora incorrectamente utilizado, é vulgarmente utilizado para designar, dimanar.


publicado por Lancelote às 13:35
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Terça-feira, 8 de Fevereiro de 2005

O meu mundo

height=100 alt=f700071p.jpg src="http://orostodachuva.blogs.sapo.pt/arquivo/f700071p.jpg" width=60 border=0> Foto: Paula da Costa Pires

acordei no dedilhar da minha dor, dedilho à lágrima...
confesso-me perdido na calçada deserta
procuro-me até nos espelho mas não me encontro em lugar nenhum

oiço a voz dos meus tormentos e os passos do prento num mundo quadrado
oiço o ranger dos pensamentos e
dos desencontros prematuros.

resvalo no negro nocturno. na amargurada insensatez
colho verdedes "maturidades" no percurso sinuoso da vida
e vivo solitário numa galáxia de mil planetas e centenas de sóis

oiço o grito da madrugada a parir o dia
e vejo o desabrochar do sol com pétalas coloridas
num berro luminoso rendilhado de vida

tenho medo de ter medo do medo
tenho medo de me afogar no ar desta imensa atmosfera e
num passo descuidado faço transbordar os oceanos

erijo um universo como um brinquedo lúdico (talvez legos)
e faço um teatro de fantoches
com humanos medíocres

colho cometas e meteoritos pendendo no universo de maduros
e um beija-flor sobre os teus lábios
suga entorpecido o néctar dos teus beijos

Ruy de Nilo


Para a minha irmã Irema

Para que partilhes um pouco do meu mundo,
o mundo que me engravida o pensamento

(um * minha caçulinha)


publicado por Lancelote às 11:21
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