Sexta-feira, 25 de Novembro de 2005
Biografia
António Jacinto (1924-1991 - Angola)
António Jacinto, cujo nome completo é António Jacinto do Amaral Martins, nasceu em Luanda em 1924 e faleceu em 1991. Orlando Távora é o pseudónimo utilizado por António Jacinto como contista.
Por razões políticas esteve preso entre 1960 e 1972. Militante do MPLA, foi co-fundador da União de Escritores Angolanos, membro do Movimento de Novos Intelectuais de Angola e participou activamente na vida política e cultural angolana. Foi empregado de escritório e técnico de contabilidade, Ministro da Educação de Angola e Secretário de Estado da Cultura.
Colaborou com produções suas em diversas publicações nomeadamente Jornal de Angola, Notícias do Bloqueio, Itinerário, Império e Brado Africano e foi membro da revista Mensagem.
António Jacinto é considerado, por muitos, um dos maiores escritores angolanos.
CARTA DE UM CONTRATADO
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos tempos a capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajús e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor....
Eu queria escrever-te uma carta...
Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também
VADIAGEM
Naquela hora já noite
quando o vento nos traz mistérios a desvendar
musseque em fora fui passear as loucuras
com os rapazes das ilhas:
Uma viola a tocar
o Chico a cantar
(que bem que canta o Chico!)
e a noite quebrada na luz das nossas vozes
Vieram também, vieram também
cheirando a flor de mato
- cheiro gravido de terra fértil -
as moças das ilhas
sangue moço aquecendo
a Bebiana, a Teresa, a Carminda, a Maria.
Uma viola a tocar
o Chico a cantar
a vida aquecida com o sol esquecido
a noite é caminho
caminho, caminho, tudo caminho serenamente negro
sangue fervendo
cheiro bom a flor de mato
a Maria a dançar
(que bem que dança remexendo as ancas!)
E eu a querer, a querer a Maria
e ela sem se dar
Vozes dolentes no ar
a esconder os punhos cerrados
alegria nas cordas da viola
alegria nas cordas da garganta
e os anseios libertados
das cordas de nos amordaçar
Lua morna a cantar com a gente
as estrelas se namorando sem romantismo
na praia da Boavista
o mar ronronante a nos incitar
Todos cantando certezas
a Maria a bailar se aproximando
sangue a pulsar
sangue a pulsar
mocidade correndo
a vida
peito com peito
beijos e beijos
as vozes cada vez mais bebadas de liberdade
a Maria se chegando
a Maria se entregando
Uma viola a tocar
e a noite quebrada na luz do nosso amor...
(Poemas, 1961)
Quarta-feira, 16 de Novembro de 2005
Fotos do Amador
a paixão é a imortalidade que o amor aspira.
como poderei perdurar eternamente
se o sentimento por ti,
quando não te tenho,
faz-me perceber, mais que nunca, a minha humanidade?
Terça-feira, 15 de Novembro de 2005
A. Brito
Na abrupta noite
desperto vazio de mim
adulterado na minha essência
porque sei que me faltas
Ausente de alma sou um corpo vagabundo,
um "vouyer" da paixâo,
inusitado e repentino sentimento
que o esquecimento se acanha
Rasgos em acordes perpètuos de Paredes
em que flutuo na palma da mâo tua,
perdurando em insónias constantes
...isso apenas porque te espero.
Quarta-feira, 9 de Novembro de 2005
Desconhecido
Hoje deitei-me junto a uma jovem pura
como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.
Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.
Seu peito como um fogo de duas chamas
ardía em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.
Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas extendidas
e oculto fogo.