Detalhe do quadro "A primavera" de Sandro Boticelli (1482)
Gosto de acreditar, que no momento em que nos repetimos ciclicamente em outras vidas, essa nova vida se componha de prazer displicente e razão gélida, de verdades avassaladoras e mentiras apaziguadoras, de sabores perfumados e fel amargurado. No entanto, existem tarefas divinas, mesmo que ínfimas, que o cosmos nos impregna para que cedamos a outros. Esses últimos, recebem-nas como créditos de luz. Todavia, como créditos para crescermos, não como gente, não como homens e mulheres mas como alma(s). Basta-nos colhe-los como frutos nos ramos do vento, como flores no caule de palavras, como pureza da nossa humanidade para lá da nossa brutalidade inumana própria das nossas contradições, porém, caminho necessário e árduo para o que almejamos: o (im)possível da perfeição colectiva das minhas vidas, os heterodoxos da minha alma.
Hoje (bendita noite de desrumo em que buscava o destino de casa), sem pensar nos versos e reversos da vida da(s) minha(s) alma(s), nas caras e coroas - pais do equilíbrio -, encontrei a alma que tinha impregnada um dos meus créditos de luz. Não sei se sou felizardo mais que muitos, sei é que às duas da manhã, mais que muitos, reflecti para o opaco de mim um outro brilho com olhos de uma luz. E sem a arrogância que em mim é pecado capital, sei que hoje faço parte das conquistas de um "coleccionador de olhos".
Ao Sr. Augusto Silvestre
(por me fazer saber o pouco que sabia e o tanto que des-sabia)
Ruy de Nilo
03h19m
(Alfornelos)
Foto: SirnePhotography
as vezes sinto repetir-me e repartir-me
por eternas vezes sem conta
as vezes sinto as músicas como se sempre as tivesse conhecido
as vezes sinto-me cansado de há tanto tempo existir-me
(mas parece que foi ontem que me dei conta de mim)
as vezes caminho caminhos, quase já sem pernas que me andem
as vezes, sou tantas vezes outra vez eu, que o meu eu virou nós
as vezes vejo-me numa bola de cristal,
visualizando a minha repetição de amanhã
(mas sempre acordo e ainda é hoje)
as vezes envergonho-me da minha nudez perante os meus olhares
tantas vezes sou meu par na dança de hoje,
de manhã amanhã, na do amanhã do hoje
tantos os reflexos do “mim” que desconheço,
tantos os “eus” em que não me vejo eu.
as vezes são tantas as dores que não conheço.
tantos os amores que doem. Tanto babel que me desentendo.
mas, mesmo na negação de me saber tantos
no fundo...no fundo dos meus “eus”,
eu bem sei...sei que somos eu.
Ruy de Nilo
17/02/2006
02h26
Alfornelos
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