Hoje morri...
morri sem dor, morri sem mágoa.
De uma mão escorri e senti o seu toque
até o humedecer de uma gota de suor, na sua sua palma senti.
Hoje morri...
O meu corpo cremado foi lançado do pontão da ilha
e as cinzas vagaram ao vento
com palavras surdas de morte.
Hoje vi castelos de céu
tão seguros como os de pedra daí.
Adormeci sobre uma nuvem
enroscado numa estrela cadente
Vi o lugar das miragens, das raízes do céu.
No aveludar da sofreguidão que despede o sono
pinto a óleo o despontar das madrugadas
essas em que se revelam o tamanho dos dias.
Grito baixinho: Impiedade, insanidade.
Tenho um desejo escondido: liberdade, paz para nós.
Este corpo macio, frio e rígido
num enlace breve que derrapa a distância
faz confundir a magia
numa coreografia de lentidõ e silêncio
E o uivo do pranto sobre minha tumba
ribomba ao longe anunciando chuva.
Um boémio sentado, ceifando o fundo do copo
ara o terreiro plantado com acres de nada.
Hoje morri...
morri a definhar no calar na vertigem
a definhar no fundo assobio do corpo
e fico a boiar no vazio
aspergindo de uma híssope negra
E já sem medo da morte,
descortino o inferno.
E então, de vez em quando,
recordando depois de tantos anos passados
assim como o sopro das coisas que são sem razão, nem paixão
Eu sou a esquesita tristeza disso.